Ao amanhecer, as rosas já estavam
lá. Isso, diariamente. Eram rosas pequenas, cor-de-rosa, singelas como um amor
juvenil. Surgiam do nada, colocadas cuidadosamente na soleira da porta. Sempre
em número de cinco. Para Mariana era uma alegria acordar pela manhã e abrir a
porta de entrada. Lá estavam elas, não importava a hora. As cinco rosas
chegavam com o amanhecer. Todos, e especialmente todas na casa estavam
encantadas com a novidade. Um admirador secreto? E, de quem? De Mariana, claro,
a única solteira. E a primeira a sair de casa todas as manhãs para lecionar.
Ela já pegava as flores como se fossem suas. Mas era sua avó quem as colocava
no vaso.
Sua tia Jussara, uma senhora de
cinqüenta anos que vivia às turras com o marido aposentado, gostava de pensar ,
secretamente, que o apaixonado presenteava a ela. Tinha seus motivos.
Casaram-se há cinco anos e não tiveram filhos. Diziam as más linguas que ela se
casou por medo de ficar solteira. E ele, por medo de ficar pobre. Logo
perceberam o erro que cometeram. Mas acomodaram-se na situação. Ele afogava
suas frustrações no bar, ela na internet. Conheceu virtualmente alguns homens
interessantes. Nunca dera seu nome verdadeiro, nem endereço ou telefone. Mas
alimentava uma esperança de que algum deles tivesse descoberto sua identidade e
agora lhe mandava flores.
A casa que recebia as rosas era
grande e bonita e a família vivia bem, sem problemas financeiros.
Mariana, tinha 23 anos. Aos
cinco, perdeu os pais em um acidente de carro. Ficaram ela e o irmão Bruno,
dois anos mais novo, aos cuidados da tia Jussara e dos avós maternos. Mariana
era de paz. Passava horas lendo em seu quarto. Se não estava lendo, estava
desenhando. Passou assim toda a infância e adolescência. Aos 18 anos começou a
namorar um rapaz que conhecera numa festa. Foi uma paixão avassaladora. O casal
causava inveja. Tanto amor, durou três anos. Ele conseguiu um emprego em São Paulo e, com a
distância, o sentimento esfriou. Certo dia, Mariana descobriu que não queria
mais. Terminaram.
Há três meses ela recebeu um
telefonema dele, dizendo que estava de volta:
- Poderíamos voltar a nos
encontrar, meu bem, o que você acha?
- Melhor não, Ricardo. Nosso tempo
passou.
Ele insistiu algumas vezes,
ligando no seu celular ou mandando recados por amigos em comum. Ela não cedeu.
Sabia que não conseguiria sentir mais nada por ele. Agora suspeitava que ele
fosse o responsável pelas rosas matinais.
Quando o avô de Mariana faleceu,
sua avó, Dona Geralda, quase morreu
junto. Estavam casados há cinqüenta anos. Haviam feito uma linda festa de bodas
de ouro um mês antes de sua morte. Eram um casal muito feliz. Ele sempre cheio de paciência com as rabugices
dela. Ela sempre preocupada com a alimentação dele. Pareciam aqueles casais de
comercial de margarina. Dava gosto ver. A rapidez com que lhe foi tirado o
marido abalou imensamente a velha senhora. Caiu em depressão e quase morreu.
Não queria comer e nem sair de casa. Aos poucos, com a dedicação da filha e da
neta, foi se recuperando. Quando já tinha forças para andar novamente, passou a
visitar o túmulo do marido no cemitério. Isso começou há mais ou menos três
meses. Ia todos os dias, religiosamente, às três da tarde. Não faltava nunca.
Às vezes pegava uma ou duas rosas do admirador misterioso, com o consentimento
de Mariana, para levar. Chegou a pensar, certa vez, que as rosas vinham de uma
pessoa bondosa que a via ir ao cemitério todos os dias, uma vez que as rosas
passaram a aparecer dois dias depois de sua primeira visita ao Mausoléu do
esposo. Seriam, portanto, para ela as flores. Mas este foi uma idéia
passageira, muito pouco provável.
Certo dia, o tio de Mariana
trouxe para casa um velho amigo de seu pai, Seu Amadeu. Um senhor já bem idoso,
mas muito simpático e comunicativo. Ficou horas conversando com toda a família
e saiu da casa com a promessa de retornar na tarde seguinte para um jogo de
canastra com o casal e a simpática vovó. Com este acontecimento, Dona Geralda
não foi ao cemitério. E nem no dia seguinte, e nem no outro. Resolveu deixar
para ir aos domingos apenas.
Quatro ou cinco dias depois da
primeira visita do velho Amadeu, ao abrir a porta de casa, Mariana deu um
grito. As rosas estavam lá, mas despetaladas, como que pela fúria do vento.
Despetaladas como um coração despedaçado E foi assim que continuaram aparecendo
na porta, por longos anos, enquanto durou as reuniões vespertinas para o jogo
de canastra... Continuavam sendo em número de cinco, e ninguém percebeu que
cada rosa simbolizava dez anos de bodas...
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