segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

AS ROSAS FALAM



Ao amanhecer, as rosas já estavam lá. Isso, diariamente. Eram rosas pequenas, cor-de-rosa, singelas como um amor juvenil. Surgiam do nada, colocadas cuidadosamente na soleira da porta. Sempre em número de cinco. Para Mariana era uma alegria acordar pela manhã e abrir a porta de entrada. Lá estavam elas, não importava a hora. As cinco rosas chegavam com o amanhecer. Todos, e especialmente todas na casa estavam encantadas com a novidade. Um admirador secreto? E, de quem? De Mariana, claro, a única solteira. E a primeira a sair de casa todas as manhãs para lecionar. Ela já pegava as flores como se fossem suas. Mas era sua avó quem as colocava no vaso.
Sua tia Jussara, uma senhora de cinqüenta anos que vivia às turras com o marido aposentado, gostava de pensar , secretamente, que o apaixonado presenteava a ela. Tinha seus motivos. Casaram-se há cinco anos e não tiveram filhos. Diziam as más linguas que ela se casou por medo de ficar solteira. E ele, por medo de ficar pobre. Logo perceberam o erro que cometeram. Mas acomodaram-se na situação. Ele afogava suas frustrações no bar, ela na internet. Conheceu virtualmente alguns homens interessantes. Nunca dera seu nome verdadeiro, nem endereço ou telefone. Mas alimentava uma esperança de que algum deles tivesse descoberto sua identidade e agora lhe mandava flores.
A casa que recebia as rosas era grande e bonita e a família vivia bem, sem problemas financeiros.
Mariana, tinha 23 anos. Aos cinco, perdeu os pais em um acidente de carro. Ficaram ela e o irmão Bruno, dois anos mais novo, aos cuidados da tia Jussara e dos avós maternos. Mariana era de paz. Passava horas lendo em seu quarto. Se não estava lendo, estava desenhando. Passou assim toda a infância e adolescência. Aos 18 anos começou a namorar um rapaz que conhecera numa festa. Foi uma paixão avassaladora. O casal causava inveja. Tanto amor, durou três anos. Ele conseguiu um emprego em São Paulo e, com a distância, o sentimento esfriou. Certo dia, Mariana descobriu que não queria mais. Terminaram.
Há três meses ela recebeu um telefonema dele, dizendo que estava de volta:
- Poderíamos voltar a nos encontrar, meu bem, o que você acha?
- Melhor não, Ricardo. Nosso tempo passou.
Ele insistiu algumas vezes, ligando no seu celular ou mandando recados por amigos em comum. Ela não cedeu. Sabia que não conseguiria sentir mais nada por ele. Agora suspeitava que ele fosse o responsável pelas rosas matinais.
Quando o avô de Mariana faleceu, sua avó, Dona Geralda,  quase morreu junto. Estavam casados há cinqüenta anos. Haviam feito uma linda festa de bodas de ouro um mês antes de sua morte. Eram um casal muito feliz. Ele  sempre cheio de paciência com as rabugices dela. Ela sempre preocupada com a alimentação dele. Pareciam aqueles casais de comercial de margarina. Dava gosto ver. A rapidez com que lhe foi tirado o marido abalou imensamente a velha senhora. Caiu em depressão e quase morreu. Não queria comer e nem sair de casa. Aos poucos, com a dedicação da filha e da neta, foi se recuperando. Quando já tinha forças para andar novamente, passou a visitar o túmulo do marido no cemitério. Isso começou há mais ou menos três meses. Ia todos os dias, religiosamente, às três da tarde. Não faltava nunca. Às vezes pegava uma ou duas rosas do admirador misterioso, com o consentimento de Mariana, para levar. Chegou a pensar, certa vez, que as rosas vinham de uma pessoa bondosa que a via ir ao cemitério todos os dias, uma vez que as rosas passaram a aparecer dois dias depois de sua primeira visita ao Mausoléu do esposo. Seriam, portanto, para ela as flores. Mas este foi uma idéia passageira, muito pouco provável.
Certo dia, o tio de Mariana trouxe para casa um velho amigo de seu pai, Seu Amadeu. Um senhor já bem idoso, mas muito simpático e comunicativo. Ficou horas conversando com toda a família e saiu da casa com a promessa de retornar na tarde seguinte para um jogo de canastra com o casal e a simpática vovó. Com este acontecimento, Dona Geralda não foi ao cemitério. E nem no dia seguinte, e nem no outro. Resolveu deixar para ir aos domingos apenas.

Quatro ou cinco dias depois da primeira visita do velho Amadeu, ao abrir a porta de casa, Mariana deu um grito. As rosas estavam lá, mas despetaladas, como que pela fúria do vento. Despetaladas como um coração despedaçado E foi assim que continuaram aparecendo na porta, por longos anos, enquanto durou as reuniões vespertinas para o jogo de canastra... Continuavam sendo em número de cinco, e ninguém percebeu que cada rosa simbolizava dez anos de bodas...

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